Fábio Bentes
Fábio Bentes

Desde que o ex-jogador Ronaldo “Fenômeno” anunciou a compra de 90% das ações do Cruzeiro (MG), primeiro clube brasileiro a adotar o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF), recém-aprovado pelo Congresso Nacional, o mercado da bola brasileiro passou a sofrer uma espécie de “abalo sísmico”.

A iniciativa empresarial do ex-jogador do próprio clube mineiro, com investimento na ordem de R$ 400 milhões, pode ter sido não só a “quebra de paradigmas”, como denominou o ex-atacante, mas o início de uma grande revolução com abrangência de Norte a Sul no futebol brasileiro, incluindo, óbvio, o paraense.

Mesmo se tratando de algo novo, recém-saído do forno, a transformação dos dois principais clubes do futebol paraense – Clube do Remo e Paysandu – em SAF já vem sendo estudada e debatida internamente pelas instituições.

É possível que em breve o novo modelo de gestão venha a ser abraçado pela dupla Re-Pa. Os “titãs” locais possuem um dos principais ativos para o sucesso de qualquer negócio empresarial no mundo da bola, que é a imensa legião de torcedores, que divide o Estado ao meio em preferência clubística.

O próprio Ronaldo “Fenômeno”, em entrevista após a concretização da compra das ações do Cruzeiro (MG), afirmou ter esperança de que o modelo administrativo inovador dos mineiros seja encampado por mais clubes brasileiros.

O caminho desbravado pelo time de Belo Horizonte (MG), ao que tudo indica, começa a ser trilhado – ou ao menos mirado – por outros clubes. Depois do Botafogo (RJ) anunciar que também deve se transformar em SAF, com investimento na casa de R$ 700 milhões, o Santos (SP) já tem reunião de seu Conselho Deliberativo para debater o tema.

Se no Cruzeiro (MG) a instalação do chamado clube-empresa já é uma realidade, embora ainda em seus passos iniciais, em Botafogo (RJ) e Santos (SP) é algo provavelmente a se tornar concreto, enquanto em outros clubes brasileiros, a exemplo dos paraenses, acontecem debates em torno do novo gerenciamento do futebol.

É verdade, porém, que alguns clubes, sobretudo aqueles que navegam em mares financeiros tranquilos, a discussão sequer é cogitada, como é o caso do Palmeiras (SP). Segundo a presidente Leila Pereira, enquanto ela estiver no cargo, o assunto clube-empresa pode até ser debatido por simpatizantes da proposta, mas jamais será colocado em prática.

“O Palmeiras (SP) não pode ter dono. Os donos do Palmeiras (SP) são os nossos milhões de torcedores, nossos associados”, disse.

No Leão, análise será feita de forma minuciosa

O presidente do Remo, Fábio Bentes, de 44 anos, garante acompanhar o projeto SAF desde o seu aparecimento e tramitação no Congresso Nacional. O mandatário azulino não poupou elogios à Lei, mostrando certo entusiasmo por uma possível implantação da proposta, no futuro, no clube que comanda em seu segundo mandato.

“Ela veio para mudar o futebol nacional. A tendência é que os clubes que não se adaptarem a essa legislação fiquem para trás. É o que tem se falado bastante no mercado”, apontou Bentes que, apesar da simpatia pelo projeto, recomenda prudência no trato com a proposta.

“É uma coisa que, no meu entendimento, não pode ser feita às ‘três pancadas’, de qualquer jeito”, recomenda o dirigente.

Ele informou que, no caso do Leão, além da montagem de uma comissão que analisa os prós e contras do modelo de nova gestão, o clube pretende firmar parceria com empresa especializada no ramo para um melhor entendimento do projeto pela direção azulina.

“Estamos avaliando a contratação de uma consultoria especializada na área”, revelou Bentes, explicando que os pareceres da comissão interna do clube e o da consultoria a ser contratada definirão o que deve ser feito pelo Leão em relação à SAF.

“Assim, a gente vai poder ver se para a situação do Clube do Remo é interessante começar a migração para essa nova gestão agora ou aguardar para ver como o mercado se comporta, ou até mesmo, se é mais interessante não adotar essa nova forma de administração”, salientou.

Bentes destacou que o Clube do Remo possui algumas particularidades em comparação a alguns outros clubes brasileiros.

“Temos um patrimônio gigantesco e nossa dívida, comparada com a divida de outros clubes, é infinitamente inferior. Temos um grau de liquidez interessante”, argumentou.

Na visão do presidente, a maneira como o Cruzeiro (MG) se tornou um clube-empresa pode não ser a mesma a ser abraçada por outras instituições.

“Cada clube possui as suas particularidades, mas sem dúvida que é uma tendência do mercado. Acredito que daqui a alguns anos todos os clubes de ponta do futebol brasileiro terão se transformado em clube-empresa”, previu.

Para o presidente do Conselho Deliberativo (Condel) do Remo, Milton Campos, a possibilidade do Leão transformar-se em Sociedade Anônima do Futebol (SAF) não é adequada ao momento.

“Essa é uma proposta interessante para clubes que estão endividados, o que não é o nosso caso, que temos as finanças mais ou menos saneadas”, justificou.

“Só o fato de zerarmos as dívidas trabalhistas em 2022 já é algo que desestimula a adoção da proposta pelo Remo”, explicou Campos, lembrando que há 8 anos o Remo vem pagando o débito na Justiça do Trabalho.

“Não podemos pegar o Remo e entregar nas mãos de qualquer um”, alertou.

Como um clube vira empresa?

Os clubes podem ser empresas sem necessariamente instituir a SAF, como o Red Bull Bragantino (SP) e o Cuiabá (MT), por exemplo. A Lei da SAF não obriga que os clubes virem empresa. Ela apenas cria mecanismos que incentivam tal prática.

A maioria dos times brasileiros atualmente são associações sem fins lucrativos e precisam realizar alterações em seus estatutos para adotar o formato SAF. Trata-se de um processo que precisa ser debatido com cuidado e de forma detalhada.

Virar empresa é certeza de sucesso?

De forma alguma. Existem casos de sucesso e de fracasso do modelo mundo afora. Virar clube-empresa não significa um “passe de mágica” para a solução dos problemas financeiros de um clube do dia para a noite.

A Lei da SAF obriga as equipes a virarem empresa?

Não. Os clubes, que são associações sem fins lucrativos, podem seguir sendo administrados de forma tradicional ou transferir o formato de gestão para a SAF.

Quantas ações um clube pode vender?

O clube que adota a SAF pode vender até 100% de suas ações. O montante é fixado pela própria instituição, que precisa confirmar a mudança em seus estatutos. No caso do Cruzeiro (MG), o clube mineiro, como associação, manteve 10% de suas ações, enquanto negociou os outros 90% com o ex-jogador Ronaldo.

Quais os pontos mais criticados na Lei da SAF?

Parte dos especialistas na área econômica aponta a falta de transparência quanto à origem do dinheiro do investidor como algo que pode colocar em xeque a lisura de projetos.

Como funciona a questão das dívidas dos clubes que viraram SAF?

A Lei criou um mecanismo que facilita a quitação dos passivos (dividas). A SAF nasce sem dividas, que ainda pertencem ao clube (associação). A Lei diz que 20% da receita do clube-empresa e 50% dos lucros e dividendos, caso tenham, devem ser destinados ao clube (associação) para pagar as dividas. O texto também criou o Regime Centralizado de Execuções (RCE), que permite renegociar dividas trabalhistas e cíveis de forma unificada. O prazo para pagamento é válido por 6 anos, mas pode ser ampliado para mais 4, caso já tenha pagado pelo menos 60% da dívida.

Como definir quanto vale um clube de futebol?

O “valuation” é um importante passo para os clubes que migram para o modelo SAF. Trata-se do processo para estimar o valor de uma empresa. Vários fatores, não só tamanho de torcida e faturamento, são colocados na mesa para definir quanto custa um clube. A situação exige um levantamento detalhado e cuidadoso de todas as áreas. Não existe uma única metodologia.

A SAF permite que um mesmo acionista tenha participação em 2 ou mais clubes brasileiros ao mesmo tempo?

Não. O acionista controlador da SAF não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra parceria com o mesmo modelo, mas investidores podem utilizar “laranjas” para deter o controle acionário em mais de um clube.

Como fica a questão tributária do clube com a SAF?

As SAF pagam 5% de imposto de suas receitas mensais nos 5 primeiros anos de operação, com exceção do dinheiro da venda de atletas. A partir do ano seguinte, o montante arrecadado com as transações de jogadores seria tributado, com a taxa caindo para 4%.

Só clubes com dívidas muito altas podem virar empresa?

Nem sempre. Um exemplo é o Athletico (PR), que é elogiado pela organização financeira e caminha para virar SAF.

O clube que virou SAF pode entrar em falência?

Sim. Como toda empresa, está sujeito a falência, mas a Lei permite que se possa buscar recuperação judicial ou extrajudicial.

Diário do Pará, 25/12/2021

10 COMENTÁRIOS

  1. QUANDO TODOS OS CLUBES DO BRASIL SE TORNAREM EMPRESA, VAI TUDO DÁ NO MESMO, SÓ VAI TER VANTAGEM OS CLUBES QUE NÃO TEM TORCIDA SE TIVERMOS SEMPRE UMA BOA GESTÃO COM PENSAMENTO EMPRESARIAL VAMOS TER VANTAGEM E NÃO QUEBRAREMOS NUNCA PORQUE A NOSSA TORCIDA É O GRANDE CAPITAL DE GIRO !

    • Este amanhã, dificilmente raiará no horizonte azulino.

      Os que só olham para os próprios umbigos, jamais o permitirão.

      Poderia-se, lamentar o futuro próspero não vivenciado.

      Entretanto, regozijarar-se da própria omissão.

  2. Caso delicado que deve ser analisado com cautela… Mas se é interessante para um clube endividado, que usa os recursos injetados para sanar dívidas, não seria mais interessante ainda para um clube quase sem dúvidas, que usaria o recurso para expandir e modernizar seu patrimônio, investir na categoria de base, além de montar um time competitivo ? Que é o caso do clube do Remo !! Vale ressaltar que o clube não precisaria vender 100% do clube e sim 49% para não perder o controle. Abrir o capital com a torcida que o clube tem, não seria uma aposta e sim um investimento.

  3. São várias situações, e penso que quem for investir no Remo não vai ter problema com dívidas, pois se tiver ela é pequena.Outra, quem não vai aceitar isso de forma alguma, será o tal ” grande beneméritos ” que na minha opinião é um dos maiores atrasos no Remo.Outra, ninguém compra o Clube, e sim investe, só temos que ter o cuidado para nao deixar a dívida para o clube caso algo dê errado. Finalizando o Remo pode não ter dívidas, mas também não tem dinheiro para investir, portanto na minha opinião seria válido sim um projeto desse.

  4. Se o clube é uma associação quem recebe e se o dinheiro da venda for usado no próprio clube não é incoerente pois o dinheiro volta para o próprio comprador pois é gasto no próprio objeto da compra,você dá o dinheiro com uma mão e pega com outra além de ficar dono de todos ativos do clube,diferente em outros países onde os clubes sempre tiveram donos simplesmente trocam de mão

  5. Como já disse em outros comentários esse presidente é só capa não vai levar o Remo a lugar nenhum anotem, como remista gostaria de estar errado mas não é a realidade

    • Sua visão limitada a uma estante de troféus te impede de ver os avanços do clube como um todo.
      Remo não é só um time de futebol.

  6. queria que CR fosse como time americano de futebol americano, GREENBAY PACKERS, que tem como acionistas os próprios toecedores… ai sim eu digo que o time é dos torcedores. esse papo antigo de que ” o time não pode ter donos…” como falou a presidente do palmeiras é falácia

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