Existe um mundo particular nas dependências internas do estádio Evandro Almeida. Um mundo invisível para a maioria das pessoas. Um mundo pertencente à senhora Maria de Nazaré dos Santos, 65 anos, que só pode ser visto quando se adentra a parte interna do estádio, bem na esquina da travessa Antônio Baena com a avenida Almirante Barroso, mais especificamente na área conhecida como “Carrossel”.
Lá, ela passou metade da sua vida, morando com seu marido em um barraco construído há cerca de 34 anos atrás. “Cheguei novinha aqui. Morava em uma casa alugada na Vila Bolonha com a São Jerônimo (Avenida José Malcher). Me trouxeram pra cá e minha vida mudou”, relembra.
Apesar de quase invisível, a história de Nazaré é antiga. Passou por várias gestões do Clube do Remo, mas nunca foi resolvida. A senhora foi levada ao local pelo empresário João Bosco Moisés que, ainda na década de 80, alugou a área frontal do estádio Baenão para construir um galpão de metal, coberto de lona, e realizar eventos festivos.
No espaço, dona Nazaré foi chamada para vender tacacá, ofício que continua praticando até hoje para o seu sustento. O problema é que, mesmo com o fim dos shows no Carrossel, dona Nazaré permaneceu no local e acabou virando uma espécie de zeladora. Agora, com a diretoria do Remo apostando todas as suas fichas na negociação do espaço com uma rede de farmácias para quitar a dívida trabalhista de R$ 9 milhões, dona Nazaré virou um empecilho.
“Já escutei de vários presidentes que iriam resolver minha situação, mas no final, continuei com minha vidinha aqui. Não quero brigar com ninguém. Se for para sair pelo bem do Remo, para o clube crescer, eu saio, mas quero uma casinha. Acho que mereço pelos anos que me dediquei a este lugar”, argumenta.
Leão e o seu “Carrossel” da vida real
O pedido de uma casa feito por dona Nazaré chega a ser irrisório perto de quanto o valor comercial da área do “Carrossel” pode gerar. Segundo o corretor de imóveis Carlos Albuquerque, além de o espaço ser considerado um dos mais nobres de Belém para montagem de estabelecimentos comerciais – por ser localizado na avenida Almirante Barroso, um dos corredores de maior fluxo de veículos da cidade -, a área pode ser supervalorizada por “poder crescer para cima”.
“Você não encontra mais em Belém espaços como esses, com uma infraestrutura dessas. Porque, veja bem, existem outras áreas nobres em Belém, como na Avenida Magalhães Barata, mas lá, por ser perto do Museu Goeldi, você não pode mais construir nada com mais de dois andares. Se você tem área livre para construir um espigão, certamente, você tem uma ‘mega-sena’ na mão”, compara o corretor de imóveis.
Entretanto, o pedido de dona Nazaré, deixando de lado a questão humana, parece ser o menor dos problemas que diretora azulina precisa resolver para colocar a mão nessa tal ‘mega-sena’. Isso porque os dirigentes nem devem tocar nesse dinheiro. Pelo menos até os próximos 20 anos. A briga é para, através do uso do espaço, se livrar de dívidas na Justiça do Trabalho, que já chegam à casa dos R$ 9 milhões.
Há anos a área do “Carrossel” é penhorada pela Justiça por conta de diversos processos. Dessa forma, a negociação do imóvel será feita em regime de “comodato”, termo comum no ramo jurídico, que significa dizer que o Remo alugará o espaço, mas o dinheiro irá direito para os credores do clube. Tudo isso em um tempo pré-estabelecido de 20 anos.
Portanto, nas próximas duas décadas, o Leão ficaria despreocupado com as dívidas trabalhistas. Porém, o negócio não é tão simples quanto parece. O grupo empresário interessado em alugar a área exige do clube certidões negativas. Com esses documentos, os empresários ficaram cientes de todos os credores que precisarão ser pagos.
É aí que mora mais um problema: o levantamento desses documentos depende de diversas questões burocráticas. “Ainda estamos fazendo esses levantamentos de certidões. Já começamos, mas estamos enfrentados alguns problemas como, por exemplo, pegar uma certidão que consta que o Remo é devedor, mas o processo já sofreu baixa ou foi arquivado. Nós temos que provar que já fizemos esse pagamento. Para se ter uma ideia, só na Justiça do Trabalho, pegamos 18 processos que não existiam mais. Ainda temos a Justiça Cível”, explica Pablo Coimbra, advogado do Leão.
Ele estima que esse trabalho ainda vai demorar mais 15 dias. “Com toda a documentação, sentaremos novamente com os empresários para tentarmos dar mais um passo na negociação do Carrossel”, confia Coimbra.
Metro quadrado da área pode custar até R$ 3 mil, afirma corretor
Apesar de todo o trabalho, a concentração da diretoria do Clube do Remo no caso “Carrossel” tem uma justificativa: o valor por metro quadrado do espaço. Carlos Albuquerque revela que as áreas próximas ao bairro de São Brás possuem um dos metros quadrados mais caros da cidade. “A média para se estabelecer valor nesse local é de R$ 3 mil por metro quadrado. Precisaria fazer uma avaliação completa do espaço, mas diante disso, pelas normas, chega-se a uma quantia para aluguel em um percentual de até 2% do valor bruto”, explica Albuquerque.
A diretoria garante que está fazendo todos os esforços para conseguir concluir a negociação do “Carrossel”. “Nosso Departamento Jurídico, juntamente com a diretoria, estamos batalhando para conseguirmos as certidões negativas. Confiamos também na colaboração da Justiça conosco”, destaca Maurício Bororó, vice-presidente do Remo.
Sobre o caso de dona Nazaré, o vice-presidente do Leão garantiu que a situação será resolvida da melhor maneira possível. “Nós sabemos da história dela e que ela está pedindo uma casa. Acho justo. Nosso Departamento Jurídico vai solucionar tudo dentro da lei. Ela pode ter certeza que o caso será tratado com a maior seriedade”, assegura o vice-presidente. O advogado Pablo Coimbra destaca ainda que “independente da questão legal, existe a questão humanitária, que pesa muito mais”.
Enquanto isso, o tempo é o maior aliado do Leão para conseguir as certidões negativas e dona Nazaré segue aguardando o desfecho dessa história no seu mundo particular, em plena área do “Carrossel”. Local de esperança de dias melhores.
Diário do Pará, 28/07/2013