O dia 13/08/2013 marca uma data histórica para o Clube do Remo. Foi exatamente em uma terça-feira que os conselheiros aprovaram, após 4 horas de discussão, a vigência do novo Estatuto do clube. A nova Carta Magna responsável por reger a vida social do Remo estava pronta e já chegou transformando radicalmente a maneira como essa instituição centenária era regida.
A principal mudança, entre tantas outras, foi a realização de eleições diretas, um marco na vida azulina. A possibilidade de, pela primeira vez, os sócios escolherem o presidente através do voto direto, representou a vitória de uma luta de muitos anos. Até então, a escolha seguia um modelo arcaico e coronelista, que costumava priorizar as chamadas “panelas” ou “grupos” que se perpetuavam no poder por décadas.
Após essa conquista, seguiu-se enorme expectativa para saber quem seria o nome a fazer novamente história. Muitos apareceram, mas de fato, coube ao benemérito Pedro Minowa o protagonismo deste capítulo que se mostrava promissor.
Com a bandeira da modernidade, Minowa e seu vice, Henrique Custódio, foram aclamados em uma eleição também histórica, derrotando o candidato Zeca Pirão, então presidente.
Entretanto, todo aquele sonho aos poucos foi sendo fragmentado em pedaços espinhosos, que aos poucos formaram um quebra-cabeça que trazia em sua face o retrato do caos. Todo aquele pensamento progressista foi minado até chegar em sua fase mais caótica: a licença do mesmo Pedro Minowa por 90 dias e a sua possível destituição em uma Assembleia Geral.
Diante de tudo isso, retorna-se à questão inicial: o novo Estatuto é, de fato, novo? Em que ponto a abertura política beneficiou o Clube do Remo?
[colored_box color=”yellow”]Atuação do presidente é vista com mais rigor
O novo Estatuto azulino foi criado por uma comissão formada por cinco integrantes: Ângelo Carrascosa, Altemar Paes, Domingos Sávio, Josias Campos e Silas Muinhos. Para chegar ao resultado desejado, por meses eles se debruçaram em modelos semelhantes, analisaram artigos no documento antigo e, depois de muita discussão, propuseram a nova Carta. Esta foi aprovada por unanimidade.
Constam nele as obrigações e deveres de todo quadro associativo. Além disso, ele determina maior fiscalização nas ações de presidentes. Foi justamente essa prerrogativa que trouxe os problemas para a gestão de Minowa.
Os casos mais emblemáticos foram a assinatura do contrato com a empresa que administra o Programa Sócio-Torcedor Nação Azul e a venda do atacante Rony.
De acordo com o artigo 90, o presidente do Codir deve “gerir os interesses do clube, demandar, transigir, contratar, renovar ou rescindir obrigações, obedecidas as limitações estatutárias” e “aprovar operações financeiras, bancárias e de câmbio, bem como empréstimos e contratos que envolvam responsabilidade para o clube, observada as limitações previstas neste Estatuto”.
Tudo isso, no entanto, na visão dos conselheiros, não foi seguido à risca. A partir daí, entra o Conselho Fiscal, que rege em seu artigo 99, a atribuição de “conferir todos os documentos de receita e despesa, contratos e títulos de propriedade do Clube” e “fiscalizar a aplicação das rendas do Clube, verificando o cumprimento do orçamento votado pelo Conselho Deliberativo”.
Na prática, os integrantes deste não se reúnem uma vez por mês, como rege sua atribuição, para formularem denúncia ao Condel. A mesma só foi feita por interesse de um grupo de conselheiros, que provocaram o Condel e este procurou o Conselho Fiscal, que passou a olhar as contas, mas curiosamente não deu parecer desfavorável, na época, sobre a prestação de contas do ex-presidente Zeca Pirão, relacionada às obras no Baenão.[/colored_box]
Questão orçamentária do Remo está em foco
Com todas as vísceras da atual administração expostas, restou ao Condel convocar os conselheiros para discutirem a atual gestão, acusada de “temerária”. Uma comissão foi criada com o objetivo de apreciar as denúncias que atingiam desde a gestão Minowa até a de Zeca Pirão. Em ambos os casos, situações obscuras foram percebidas, mas na prática, apenas um pagou o preço alto.
Na plenária da sede social, o ex-presidente Zeca Pirão foi absolvido da acusação de irregularidades na sua prestação de contas. Enquanto isso, Minowa, por ter vendido de forma obscura o atacante Rony e ter assinado contratos sem ler, teve encaminhado à Assembleia Geral o pedido para sua destituição do cargo. Não se sabe quem está certo, mas o fato é que houve uma enxurrada de críticas a um modelo com nova visão administrativa.
“Foi feito um Estatuto muito diferente do anterior e novas situações foram colocadas, a exemplo da apuração de atos considerados graves às finanças do clube. Foi criada a Comissão de Futebol para dar mais rigor na questão orçamentária. Isso foi uma mudança radical se comparado ao antigo”, explicou Domingos Sávio.
O promotor e conselheiro, além disso, afirma que o novo Estatuto não pode agradar a todos. “Nós pegamos itens de outros Estatutos, mas o principal foi modificá-lo em relação ao anterior e isso às vezes gera descontentamento, infelizmente”, esclarece.
Um dos itens de maior valia que a nova versão do Estatuto trouxe foi a possibilidade de impedir que um presidente prejudique as administrações futuras. Por anos, presidentes antecipavam cotas de patrocínio de um período que excedia a própria gestão. Na prática, quem assumia em seguida simplesmente não via a cor do dinheiro. Essa alteração, de acordo com Domingos Sávio, representou um avanço no modo de gerir o clube.
“Nenhum presidente pode mais fazer isso. Era muito comum. Alguns antecipavam cotas de até 2 anos à frente de sua administração”, lembra Domingos.
Se a mudança no modelo financeiro tem agradado, o mesmo não se pode dizer sobre o direito a voto, outro entrave muito questionado, principalmente quando o assunto é sócio-torcedor. Atualmente, apenas sócios proprietários e remidos têm direito a voto. Outro nicho significativo é composto por sócios-torcedores. No novo Estatuto, eles continuam sem o direito.
“Particularmente, sou contra. Como o nome diz, o sócio proprietário é o mais interessado em quem vai gerir os destinos do clube. O sócio-torcedor é voltado para as atividades esportivas, tudo relacionado ao futebol, mas nada impede que a pessoa que ama o clube seja os dois. Tem gente nessa condição”, corrobora Domingos.
Essa mudança só será vista caso a comissão de revisão da Carta Magna esteja interessada em ampliar de uma vez por todas a democracia nas eleições do clube, e não apenas apertar o cerco contra as más gestões.
“Essa atual comissão criada vai revisar tudo. Se ela achar que deve ser acrescentada, os conselheiros vão votar. Agora, outros pontos devem ser cortados. Um deles é o Conselho de Futebol”, revela o presidente do Condel, Manoel Ribeiro.
Na prática, a decisão tira a amarra na gestão do futebol e dá liberdade para que os diretores de futebol façam um bom trabalho ou o afundem de vez, pelo menos por conta própria.
Diário do Pará, 28/06/2015