O técnico Charles Guerreiro está acostumado com pressão. Afinal, ainda como jogador, teve passagens em clubes grandes que alternam bons e maus momentos e que sempre tiveram que lidar com a emoção do torcedor, exemplos de Guarani (SP), Flamengo (RJ), Vasco (RJ) e Fluminense (RJ). Em quase 30 anos envolvido no futebol, talvez ele nunca tenha vivido um momento de tanta tensão por resultados como o que passou no Clube do Remo, antes da conquista do primeiro turno do Campeonato Paraense.
Charles chegou ao Leão no ano passado, após a conquista do vice-campeonato do Parazão com o Paragominas, seguindo a “cartilha” azulina nos últimos anos: investir em treinador local após o fracasso dos profissionais importados. Assim que chegou ao Baenão, teve que lidar com a desconfiança de membros da diretoria e da própria torcida. As críticas iniciaram ainda na série de amistosos de preparação para 2014, mas se acentuaram nas primeiras rodadas do Estadual.
Guerreiro tinha em mãos um elenco caro, com jogadores rodados e precisava transformar, a curto prazo, o alto investimento em resultados. Por pouco o comandante não “caiu na navalha”, como ele mesmo cita. De acordo com Charles, os atletas e o presidente azulino Zeca Pirão foram os responsáveis pela sua permanência na equipe.
Charles desabafou sobre todos esses momentos de pressão vividos no Remo, revelando que membros da própria diretoria chegaram a conversar com os jogadores, perguntando se era a hora de trocar de comando no meio do Parazão. Confira os principais trechos do bate papo com o técnico do Leão:
“Tirei um peso das costas”
“Desde 2008 que o Remo não consegue os seus objetivos e nós conseguimos resgatar a dignidade do clube e da torcida, que vinha sofrendo para conquistar uma série, um título. Com a conquista do primeiro turno, tirei um peso das costas. Vim para o Remo quando estava em um bom momento no Paragominas, trazido pelo presidente (Zeca Pirão), que acreditou em mim junto com o (ex-vice presidente Maurício) Bororó, mas tinha membro da própria diretoria que achava que eu não era treinador para o Clube do Remo, queriam me derrubar. Sofri pressão ainda nos amistosos, mas graças a Deus fiquei firme. Por onde passei, como jogador e treinador, só tive sucesso, coloquei time em série e no Remo não é diferente. Pelas minhas conquistas, Deus tem me abençoado”.
“Os jogadores fecharam comigo”
“Pela simplicidade que tenho e pelos clubes onde joguei, Flamengo (RJ), Vasco (RJ), Fluminense (RJ), Remo e Paysandu, acabei construindo uma história e o respeito dos grandes atletas. Como treinador, sempre procurei ajudar. Com isso, os jogadores fecharam comigo mais uma vez, compraram a briga e o barulho. No momento em que estava balançando no cargo, eles disseram: ‘Esse treinador é nosso! Vamos correr e dar o título para ele e a torcida’. Hoje, com esse título, só tenho que agradecer a esse grupo fantástico de profissionais. Têm jogadores como o Athos, que ganhou tudo na Chapecoense (SC), que é banco, mas não atrapalha, só ajuda. Esses atletas honraram a camisa do Remo e deram o título de presente para a torcida”.
“Por que não aceitam os treinadores locais?”
“O momento mais difícil foi quando não conseguimos jogar bem contra o Paysandu e perdemos para o Paragominas (na fase de classificação do Parazão). O time andou em campo. Eu estava no ‘fio da navalha’, com a corda no pescoço e o grupo viu que tinha que tomar uma atitude, correr pelo treinador, isso porque eu era parceiro. Algumas pessoas de dentro do clube chegaram a conversar com os atletas para me derrubar, perguntando se era a hora de mudar de treinador. Eles disseram que não, que iriamos dar a volta por cima. Por que não aceitam os treinadores locais? Nos últimos anos, os títulos e conquistas do futebol paraense foram com técnicos da região. O Lecheva colocou o Paysandu na Série B. Já coloquei o Paysandu na Série C, assim como o Ananindeua e o Paragominas na D. Vivi por 20 anos com treinadores vitoriosos, de história. Mais uma vez consegui meu objetivo, dando um título que o Remo não conquistava desde 2008”.
“Se tivesse uma coisa boa, teria entregado o cargo”
“Isso tudo mexeu comigo, mas o presidente não me deixou sair, disse que eu iria ser campeão com ele, confiou no meu trabalho, na comissão técnica e nos atletas. Estava empregado no Paragominas, com contrato de 2 anos e, como o Remo me contratou, só não larguei (o cargo após as críticas) pois não poderia ficar desempregado, mas se tivesse uma coisa boa (proposta), teria entregado o cargo”.
Globo Esporte.com, 25/02/2014