Fenômeno Azul
Fenômeno Azul

Domingo (11/10), 23h, aeroporto de Belém. O time do Remo está prestes a desembarcar depois de vencer o Operário (PR) na fase decisiva da Série D, quarta e última divisão do futebol nacional, por 1 a 0. Enquanto os jogadores voam do Paraná ao Pará, milhares de torcedores aguardam, ansiosos, o desembarque de seus heróis.

Jogadores que sequer recebem em dia, como também acontece na Série A, liderada pelo Corinthians (SP) e seus “direitos de imagem” sempre em atraso, mas que a exemplo dos profissionais da “elite”, passam por cima disso para colocar os remistas na Série C, o que está próximo e terá enorme valor após anos de sofrimento.

“A expectativa é de lotação máxima no Mangueirão, domingo (18/10), com renda de quase R$ 2 milhões”, informa Alex Ferreira, do Portal Arquibancada, se referindo ao jogo de volta, contra o Operário (PR).

O Clube do Remo caiu para a Série D em 2008, e ficou sem vaga na competição em 2009, 2011 e 2013. Isso mesmo, a classificação para este campeonato é obtida por intermédio dos Estaduais e, nestes anos, os remistas não conseguiram a vaga paraense. Passaram mais de metade da temporada sem ter campeonato para disputar.

Um sofrimento para o torcedor, que vê o time querido arrancado de sua rotina, com elencos desfeitos e perspectivas inexistentes no curto prazo. Difícil encontrar cenário mais macabro. Apesar da campanha que deixa os azulinos a um empate do acesso, o clube está conturbado nos bastidores.

“São quase 3 meses de salários atrasados. A expectativa é pagar uma folha e meia com a renda, além de um empréstimo de R$ 250 mil que a diretoria precisou fazer”, acrescenta Alex Ferreira, sempre atento ao dia-a-dia dos times paraenses.

No fim de 2014, uma nova diretoria foi eleita. A oposição chegou ao poder e montou um elenco caro para o momento, com folha de pagamento em torno dos R$ 600 mil. “Maior até que a do rival, Paysandu, que já possuía calendário e quota de Série B”, relata o jornalista. Resultado? Atraso e greve de jogadores.

O Remo também não conseguiu pagar acordos com a Justiça do Trabalho e agora tem 30% da renda bloqueada a cada partida, “mas joga a sobrevivência e o resgate da própria dignidade”, define Alex.

A diretoria se desfez. O vice se licenciou ainda no primeiro semestre e logo depois o presidente foi afastado pelo Conselho Deliberativo. Ainda conseguiu voltar por uma liminar na Justiça, mas a pressão foi grande e ele acabou entrando em “licença médica” até o fim do ano.

Uma junta governativa, encabeçada pelo presidente do Conselho Deliberativo, Manoel Ribeiro, toca o Remo enquanto isso. O acesso está próximo em pleno caos!

Reduzida, a folha atual gira em torno de R$ 350 mil mensais, mas o diferencial é que este grupo é muito unido e está fechado com a causa. Os atletas querem recolocar o Remo em uma Série que lhe assegure a participação em um campeonato de âmbito nacional que ocupe boa parte do calendário em 2016, meta perseguida desde 2009.

O técnico é um motivador. Cacaio assumiu o comando no final de março. Ex-atacante, vestiu a camisa azulina em 1992 e 1993, mas é ídolo do Paysandu, onde participou do primeiro título bicolor da Série B, em 1991. É o primeiro time de grande torcida que treina. Começou seu trabalho ainda no Parazão, em substituição ao badalado Zé Teodoro. A equipe estava quase eliminada. Veio a primeira reação. Conseguiu ser campeão paraense e foi vice da Copa Verde, eliminando o Paysandu na semifinal.

Porém, é a torcida que carrega o time, que por uma punição, fez os 3 primeiros jogos da Série D em Paragominas. Já no Mangueirão, atraiu 55.525 dos cerca de 70 mil lugares disponíveis nas duas partidas em Belém. Mesmo atuando mais fora da capital do que na cidade, tem 11.827 de média, superior a Vasco (RJ), Joinville (SC), Santos (SP), Avaí (SC), Chapecoense (SC), Figueirense (SC), Ponte Preta (SP) e Goiás (GO), nada menos que oito (!) times da Série A.

Três meses de salários atrasados e a um empate do acesso. São 8 anos de sofrimento e uma torcida que não abandona o Remo. Pelo contrário, mostra mais força e fidelidade ao clube do que as de integrantes da chamada “elite” nacional. Isso tudo apenas para poder jogar o ano inteiro – ou quase – e vendo o rival, Paysandu, lutando pela subir da Série B para a Série A, que os remistas não disputam desde 1994.

Esse povo não vai aos jogos em busca de conforto, só pensando em fazer “selfies” e postar em redes sociais. Eles querem o Remo, amam o Leão e poderão fazê-lo subir. Se o clube não morre, é porque sua gente não deixa. É paixão pura. Religião!

Ainda há quem chame futebol de “produto”. Perdoa-lhes, porque não sabem o que dizem.

Mauro Cezar Pereira, blogueiro do ESPN.com.br, 13/10/2015