Quando Dewson Freitas pediu a bola e encerrou o jogo, as 35 mil pessoas presentes ao Mangueirão não se preocupavam tanto com as circunstâncias da decisão – duríssima, sob todos os pontos de vista -, mas em festejar a dupla conquista. Além do bicampeonato estadual, o Remo acabava de sacramentar presença na Série D como representante do Pará.
Quando Rafael Paty acertou dois cabeceios fulminantes e estabeleceu a vantagem no placar ainda no primeiro tempo também ficou claro, para a maioria dos espectadores, que dificilmente o Remo deixaria escapar a vitória. Pelo simples fato de que o time tem sido guerreiro e incansável na busca de seus objetivos, e ontem não seria diferente.
A confiança do torcedor era mais do que justificada. Depois de um começo de ano decepcionante, com direito à eliminação precoce no primeiro turno do Campeonato Estadual, o Remo renasceu das cinzas nas últimas quatro semanas.
Chegou a frequentar a penúltima posição na classificação geral do campeonato, enchendo de apreensão sua massa torcedora. Ao mesmo tempo, o clube vivia uma das mais atribuladas passagens de sua vida administrativa, com dívidas de todo tipo e salários em atraso.
Quando tudo parecia caminhar para mais um ano perdido, eis que os dirigentes, em um rasgo de lucidez, substituíram o técnico Zé Teodoro por Cacaio. Convocado na bacia das almas, o ex-atacante azulino se vestiu de guerreiro e enfrentou as tormentas junto com o elenco de jogadores.
O desfecho desse esforço conjunto ao longo da segunda metade do campeonato foi estampado diante de uma plateia entusiasmada, que cantou desde o começo da tarde e saiu do estádio Mangueirão satisfeita com o comprometimento de seus jogadores.
Ao longo dos 90 minutos, o Independente se mostrou um adversário à altura, disposto a vender cara a derrota. Surpreendido logo aos 50 segundos com o gol de Rafael Paty após rebote de Alencar Baú, a equipe de Tucuruí seguiu fiel à cartilha da cautela, evitando se expor demais.
Chicão controlava o jogo pelo meio e Kariri se adiantava para tabelar com Joãozinho e Léo Rosa pelo lado direito do ataque. À base de toques rápidos, ambos envolveram Alex Ruan e quase chegaram ao gol em duas investidas. A defesa se mantinha recuada, temendo novas tentativas do rápido ataque remista.
Apesar desses cuidados, Bismarck e Levy continuaram forçando em cima do setor esquerdo do Independente. Uma falta sobre Ratinho permitiu que Eduardo Ramos lançasse na área, aos 26 minutos, para outra testada de Paty. A bola, de cima para baixo, não deu chances a Alencar Baú.
O escore de 2 a 0, como todo mundo sabe, alimenta no vencedor a ilusão de que tudo está consolidado e permite ao derrotado acreditar que a reversão é possível. Foram essas duas situações conflitantes que tornaram o confronto intenso e emocionante até o final.
Ainda no primeiro tempo, o Independente teve boa chance de diminuir, mas Wegno errou o cabeceio dentro da área. Por seu turno, o Remo chegou com Ratinho, que bateu da entrada da área para firme defesa de Alencar.
Na etapa final, o Independente mudou de estratégia. Sem tempo a perder, lançou-se ao ataque a todo vapor desde o primeiro minuto. Ameaçou duas vezes, com Wegno e Joãozinho, mas a zaga remista conseguiu afastar. Em escanteio, Dudu desviou no canto direito, mas Fabiano fez grande defesa.
O Remo tentava sair em contra-ataques, mas Eduardo Ramos e Rafael Paty estavam muito vigiados e Bismark raramente recebia lançamentos em profundidade. Para piorar, Dadá não reeditava as últimas boas atuações e o lado esquerdo da zaga seguia vulnerável aos ataques do Independente.
Aos 34 minutos, Léo Rosa cobrou falta que atravessou toda a extensão da área e passou raspando o poste direito de Fabiano. Foi a última chance real de gol criada pelo Independente. O time continuou a atacar, mas se perdia nas bolas aéreas, facilitando o trabalho dos zagueiros remistas.
Nos últimos instantes, Sílvio (que substituiu Paty) perdeu excelente oportunidade de ampliar a vantagem. Alencar saltou e impediu o gol que daria uma falsa impressão de facilidade no placar final. O Remo mereceu vencer e levantar o caneco, mas o Independente teve grande atuação e dificultou bastante as coisas.
[colored_box color=”yellow”]Lecheva tentou explorar o cansaço remista
Como reflexo da maratona das últimas semanas, o cansaço do time remista era visível já a partir dos 15 minutos do segundo tempo. Jogadores como Eduardo Ramos, Bismark e Rafael Paty tinham dificuldades em acompanhar o ritmo veloz que o Independente botou no jogo. Lecheva, obviamente, percebeu que alguns jogadores do Remo já não rendiam e lançou Douglas Piauí para aumentar a velocidade de seu ataque. Quase funcionou.
Teve ainda a ajuda involuntária de Cacaio, que decidiu botar Alberto e Felipe Macena para conter a pressão do adversário, mas deixou seu ataque reduzido a Sílvio pela esquerda lutando sempre contra dois marcadores e atraiu de vez o Independente para seu campo. Ficou a impressão de que Val Barreto podia ser uma opção mais interessante, até para incomodar o sistema defensivo do Independente.
De maneira geral, o time do Remo se comportou bem até o intervalo. Era evidente a busca por um placar tranquilizador, tarefa bastante auxiliada pelos dois gols obtidos antes dos 30 minutos de jogo. Cacaio e seus jogadores sabiam que não seria possível se impor à correria do Independente no segundo tempo. O plano deu certo, embora tenha sido submetido a alguns sustos.[/colored_box]
Blog do Gerson Nogueira, 03/05/2015