Miguel Nicolelis
Miguel Nicolelis

No dia em que o Brasil bateu a infame marca de 3 mil mortes diárias, o médico e cientista Miguel Nicolelis é uma voz que merece atenção a respeito da situação do futebol no país no momento mais agudo da pandemia. Autoridade nos estudos sobre a doença, ele fornece informações que deveriam ser anotadas e acatadas pelos sindicatos de atletas profissionais, que permanecem em ruidoso silêncio até o momento.

Para Nicolelis, em entrevistas a vários jornais e sites, o quadro é de “surrealismo” absoluto. Enquanto as capitais e cidades médias enfrentam o colapso dos sistemas de saúde e famílias em desespero buscam leitos para entes queridos, o futebol mantém a arrogância ignorando por completo o quadro dantesco da pandemia no Brasil. O cientista fulmina como irreal a tese de que os protocolos são seguros.

“Expor 4 delegações a viagens e adentrar um Estado que está entrando na fase crítica, como no resto do Brasil. O último número que temos de Volta Redonda (RJ) é de 89% de UTI’s ocupadas. Para quê? Qual é a razão, a não ser essa ganância pelo dinheiro do futebol?”, questionou, a respeito da manobra que transferiu jogos do Paulistão para o município no Estado vizinho.

Mais assustadora ainda é a constatação de que os jogadores estão submetidos a riscos que desconhecem.

“Recebi mensagem de um jogador famoso dizendo que não tinha ouvido esses argumentos de que jogadores podem ter sequelas crônicas no futuro. Jogadores podem não saber que, mesmo tendo um quadro clínico assintomático leve, sendo exposto ao vírus, ficam expostos ao risco para o resto da vida”, afirmou.

Estranhamente, nenhum protocolo ou documento da CBF ou das Federações faz qualquer menção ao impacto danoso que o contato com o vírus pode causar a um atleta. As sequelas podem não surgir de imediato, mas há a perspectiva de que apareçam no futuro e encurtem carreiras.

Nicolelis também denunciou a fragilidade dos testes realizados diariamente pelos clubes como método de certificação da não contaminação e observou que há um registro expressivo de testes com resultado “falso negativo”.

“Aconteceu com o time do Corinthians (SP), tiraram o (volante) Cantillo da concentração porque ele estava com os sintomas, mas tinha testado negativo. Lucas Piton (lateral-esquerdo) jogou infectado. Os testes dependem da proficiência na coleta e na realização. Vocês acham que a qualidade de coleta e análise é Fleury Plus (alta qualidade) no Brasil todo?”, disparou.

Com a superlotação de hospitais, os deslocamentos de times podem causar prejuízos ao resto do país.

“Alguém se machuca gravemente no jogo e para onde eles vão tratar o cara? Não tem hospital. A CBF não parou para pensar que, tendo 30 jogos entre times na Copa do Brasil em uma quarta-feira, são mobilizadas 60 ambulâncias paradas em um estádio. Falta ambulância para transportar pacientes de Covid em todo o Brasil”, apontou.

Como se sabe, a Copa do Brasil continua a ser realizada, normalmente, inclusive para Remo e Paysandu, que passaram pela 1ª fase e aguardam a marcação dos jogos da próxima etapa.

A responsabilidade da CBF, que protagonizou uma reunião repleta de palavrões e toscas manifestações de empáfia, é outro ponto ressaltado por Nicolelis.

“A CBF e as Federações vão arcar com os custos que jogadores profissionais podem ter para cuidar da sua saúde o resto de suas vidas? Podem entrar com queixas trabalhistas por exposição a um ambiente insalubre. A legislação brasileira é muito clara nisso”, avisou.

O questionamento mais pungente do cientista ainda não tem resposta: por que o futebol se transforma em fator de risco em um país que já vive uma pandemia fora de controle? Segundo Nicolelis, a CBF comete crimes sanitários ao promover aglomerações e promover riscos de contágio.

É preciso ouvir quem detém conhecimento científico e conhece as entranhas do futebol no Brasil. Basta de ignorância e negacionismo!

Blog do Gerson Nogueira, 24/03/2021

7 COMENTÁRIOS

    • Exato Vicente, lamentável a perda do bi da série C, título nacional e de grande valor.

      O Remo estava jogando melhor que o Vila Nova, tinha até a vantagem do segundo jogo ser em Belém, o time estava motivado, tinha tudo para ser campeão. Certamente seria outra história se não houvesse aquele vacilo de jogadores irem para a Doca festejar o acesso, faltou aí uma reunião prévia dos dirigentes do Remo orientando ao grupo a não festejar com a torcida antes dos jogos das finais.

  1. Perfeita e muito oportuna essa reportagem do Gerson Nogueira.

    O Dr Nicolelis, um dos maiores cientistas do Brasil, esclareceu com toda propriedade dos riscos e consequências do futebol em momento de alta contaminação da covid, algo muito além do jogo específico e que irresponsáveis querem ignorar, não só a perda de vidas, mas também de sequelas irreparáveis para jogadores e, consequentemente, pedido futuro de alta indenização trabalhista contra os clubes.

    “É preciso ouvir quem detém conhecimento científico e conhece as entranhas do futebol no Brasil. Basta de ignorância e negacionismo!” – Gerson Nogueira

  2. O Dr pontuou situações que antes não pensava. Excelente explanação dos possíveis danos aos atletas e ao país.

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